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O menino e o calendário

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Conheça a curiosa história de um menino e um calendário e como isso se transformou em uma paixão por Gramado.

O menino e o calendárioVeja com um simples calendário foi o responsável por mexer com a imaginação e sonhos de um menino.

O pai do menino chegou do trabalho naquela tarde de dezembro com um calendário de 1990 que havia ganho na empresa. Era desses de pendurar na parede, com uma foto para cada mês do ano, que vão mudando conforme se arranca uma folha para mostrar o mês seguinte.

Seria apenas mais um calendário a ir para o lixo, não fossem as fotos contidas nele. Belíssimas paisagens da Alemanha saltavam aos olhos em cenários espetaculares. O menino, que sempre admirou a cultura europeia e suas belas paisagens, montanhas e castelos, ficou maravilhado com aquelas fotos.

O lugar mais distante para onde o menino tinha viajado era a praia, a uma hora e meia de sua casa. Como não havia internet nem TV a cabo na época, aquele calendário, junto com livros e revistas, eram janelas nas quais ele se debruçava para visitar aquelas terras distantes de paisagens inigualáveis e arquitetura tão peculiar.

O calendário não foi para o lixo e nem para a parede. Em vez disso, ficou guardado numa pasta. Era importante demais para se largar por aí. Afinal, ali estavam os castelos Eltz e Neuschwanstein, a Marienplatz, os pinheiros da Floresta Negra e tantos outros lugares que povoavam seus sonhos.

Uma das fotos do calendário mostrava uma praça repleta de bares e cafés em uma tarde ensolarada. O pai do menino indicou um ponto da foto e disse: “Olha a cara desse sujeito aqui. Ele não está preocupado com nada na vida“! O menino seguiu com os olhos o dedo do pai e viu o tal sujeito. Era um alemão típico, de cabelos dourados e rosto rosado. Estava recostado em uma das mesinhas apreciando seu café, enquanto observava o movimento da rua. Por longos instantes o menino desejou ser aquele sujeito.

Tempos depois o menino alugou (em VHS!) um documentário chamado Bavária: Seus Encantos e Sua Magia. E pela primeira vez algumas das fotos do antigo calendário ganharam som e movimento. Toda a história da Bavária estava sendo contada na sua frente, com palácios, jardins e florestas. O menino conheceu a história da família real Wittelsbach e se identificou com um conde (ou seria duque?) que era apaixonado por suas terras. A paixão era tamanha que, ao saber que a família (em decadência) colocara à venda uma linda área de suas propriedades, usou sua fortuna pessoal para comprar e preservar a região. “Eu faria a mesma coisa“, pensou o menino.

Mas o menino era um sonhador. Jamais conheceria aqueles lugares. Tudo era distante, impossível. Ele jamais veria aquelas paisagens e suas casinhas típicas. Nunca sentiria aquele frio nem se sentaria naqueles cafés. O menino não tinha noção do futuro ou ambição, e sabia que nunca seria bom em nada. Tímido, também nunca namoraria. Casar então, jamais! Era melhor simplesmente olhar o calendário e suspirar.

O tempo passou

Vieram as transformações decorrentes da necessidade de evoluir. O menino foi descobrindo uma ou outra coisa que sabia fazer bem profissionalmente. E começou a namorar! E o namoro se tornou noivado. E do noivado veio o casamento.

Com os preparativos do casamento, veio a escolha da lua de mel. Eles haviam se decidido por outro país. Mas antes de fechar a viagem, viram que poderiam permanecer mais dias na Serra Gaúcha. Fizeram a troca de última hora, mais por comodidade do que por preferência.

E assim o menino e sua esposa chegaram em Gramado numa tarde fria e ensolarada de domingo. Fizeram sua primeira caminhada pela cidade, até então desconhecida para eles. Desceram a Rua São Pedro sem destino definido e começaram a olhar a bela arquitetura ao redor. Uma sensação estranha emergiu no coração do menino, mas ele não sabia o que era. Subiram a Rua Pedro Benetti reparando nos detalhes dos cafés e restaurantes, até que saíram na linda Av. Borges de Medeiros e ficaram sem palavras.

Foi exatamente naquele momento, ao dar seus primeiros passos na bela avenida, que o menino reconheceu a sensação que estava sentindo. Era uma mescla de nostalgia e ansiedade. Ali estava o frio. Ali estavam as casinhas típicas de arquitetura alemã. Ali estavam os cafés com mesinhas na calçada. Ali estava a essência do seu calendário, há muito esquecido, que agora voltava mais forte do que nunca em sua mente.

Eles atravessaram a avenida em direção à charmosa Praça Major Nicoletti, que fervilhava de pessoas. Já deslumbrado com a beleza que a cidade oferecia, o menino viu algo que fez seu coração parar por um segundo. Cerca de dez metros à frente, recostado em uma das mesinhas e apreciando seu café enquanto observava o movimento da rua, estava um sujeito que parecia não ter grandes preocupações na vida. Fisicamente ele em nada lembrava o alemão do antigo calendário, mas a cena evocava a mesma sensação. E os olhos do menino marejaram.

Quase vinte anos depois de ter colocado os olhos pela primeira vez naquele calendário, o menino estava vivenciando as emoções que, até então, existiam apenas em sua imaginação. Ele não apenas viu pessoalmente a cena que povoava seus sonhos como, por diversas vezes, fez parte dela.

Alemanha e GramadoÀ esquerda, foto da Alemanha no calendário de 1990. À direita, foto de 2010 de Gramado. Em ambas as cenas, lá estão os sujeitos recostados, apreciando seus cafés, observando o movimento na rua e sem nenhuma grande preocupação na vida.

Nos dias que se seguiram o menino e sua esposa também foram a cafés com mesinhas na calçada. E ele também se recostou em uma cadeira e apreciou o movimento da rua. E naqueles breves momentos, ele também não tinha grandes preocupações na vida. Toda a bela e colorida arquitetura alemã de Gramado, Canela e – principalmente – Nova Petrópolis sorria em saudação para o menino.

Daquele dia em diante, o menino deixou parte de seu coração em Gramado. Ele voltou para casa, mas não passou um único dia sem que ele não pensasse nos momentos que viveu lá – sempre com um aperto no peito e um nó na garganta. A cidade o chamava de volta, incessantemente. E ele atendeu ao chamado uma outra vez, como quem visita um velho amigo. O menino e a esposa foram abraçar Gramado novamente. E Gramado retribuiu o abraço.

O menino ainda tem o velho calendário. Está intacto. Ele não se esqueceu da Alemanha e da Bavária. Estas são metas que o menino vai realizar. Ele precisa conhecer uma cidadezinha chamada Hallstatt, na Áustria, que há tempos vem lhe chamando. E ele irá. No tempo certo, ele irá.

Mas seu coração não mais pertence à Áustria, à Alemanha ou outra cidade europeia. Seu coração está em algum ponto de uma bela avenida em uma pequena cidade da Serra Gaúcha. Lá ele encontrou a paz e a felicidade ao lado da mulher que ama.

Berlim, Viena, Paris, Edimburgo ou Londres são de fato inigualáveis e deslumbrantes. Mas para o menino, Gramado chegou primeiro.

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Editor

Empresário, jornalista e escritor. Apaixonado por tecnologia e pela Serra Gaúcha. Apreciador de boa gastronomia, bons vinhos e boa conversa. O resto você descobre aqui: emiliocalil.com

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